Interesse público – Quebra de contrato tem de ter contraditório
Interesse público – Quebra de contrato tem de ter contraditório
Por Jomar Martins
A municipalidade não pode, a seu bel-prazer, simplesmente quebrar unilateralmente um contrato administrativo entabulado com particular sem oferecer a este a chance do contraditório e da ampla defesa, mesmo alegando razões de interesse público. Logo, a quebra do contrato é nula, e seus efeitos ensejam indenização à parte prejudicada. Sob esta fundamentação, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou o Município de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a indenizar o Banco Santander, por quebra unilateral de contrato.
Após quatro anos de vigência do contrato para que o banco administrasse a conta da folha de pagamento da prefeitura e de ter recebido à vista o valor acordado como contrapartida, o prefeito quebrou o contrato administrativo com o Santander, repassando o serviço para o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), que é estatal.
A relatora da Apelação no TJ-RS, desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, afirmou que o argumento de que o serviço seria melhor prestado por uma instituição financeira pública não é suficiente para determinar a rescisão unilateral do contrato. Além do mais, não foi dada oportunidade ao banco privado de se manifestar sobre as razões de interesse público invocadas, nem sobre os efeitos patrimoniais da extinção antecipada do contrato.
Para a relatora, a visão política do prefeito não tem força suficiente para caracterizar a ‘‘alta relevância social’’ para extinguir, por ato imperial, o contrato administrativo, ‘‘mormente porque diz respeito à gestão de atividade meio: pagamento dos servidores públicos’’, considerou a magistrada.
No acórdão, o colegiado manteve a decisão de primeiro grau que mandou a municipalidade restituir o valor pago antecipadamente pelo banco para indenizar o período que este não explorou os serviços – R$ 1,4 milhão. E foi mais longe: reconheceu lucros cessantes. A apuração do valor será feita em liquidação de sentença, já que os autos não trouxeram elementos suficientes para a arbitragem do julgador.
O caso
O município de Canoas e o Banco Santander firmaram, em março de 2005, um contrato para a “prestação de serviços necessários ao pagamento dos servidores municipais, com exclusividade, pelo período de 60 meses”. Assim, para administrar a folha dos servidores’, neste período, o banco, que chamava-se Real, na época, pagou à vista a quantia de R$ 7, 6 milhões.
Quatro anos depois, em junho de 2009, o prefeito Jairo Jorge (PT), conforme registra o acórdão, ‘‘determinou a adoção das medidas necessárias para que se opere a rescisão do contrato’’. Em seguida, assinou a rescisão unilateral do contrato. Nos dias que seguiram à decisão, o Município de Canoas contratou o Banrisul, diretamente, para a prestação dos serviços, pelo prazo de 60 meses. O banco oficial pagou a quantia de R$ 22,5 milhões.
Preterido pela nova administração, o Santander ajuizou Ação Ordinária contra o município de Canoas, argumentando quebra ilegal do contrato administrativo, por violação do devido processo legal. Requereu, em antecipação de tutela, sua manutenção como prestador do serviço. No mérito, pediu que a rescisão fosse declarada nula. Subsidiariamente, a condenação do réu ao pagamento de indenização.
Nos lances processuais que se seguiram, a antecipação de tutela foi concedida e, mais tarde, derrubada por decisão do Tribunal de Justiça. O desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, que relatou o pedido de suspensão da liminar no Órgão Especial, entendeu que a invocação de interesse público, declarada para justificar a quebra do contrato administrativo, era legítima.
Citada, a municipalidade apresentou contestação. Primeiro, disse que era inoportuno ao serviço público manter o contrato com o Santander. Afirmou que, da licitação em que o autor venceu, participaram apenas duas instituições financeiras, e que o preço da contratação dos serviços já estaria defasado. Por fim, sustentou a regularidade do processo que culminou na rescisão de contrato.
A sentença
‘‘Não merece procedência o pedido declaratório de nulidade do ato administrativo’’, decretou, de início, o juiz de Direito Luiz Felipe Severo Desessards, ao proferir a sentença. Para apoiar este entendimento, o titular do 1º Juizado da 3ª Vara Cível da Comarca de Canoas tomou, como razões de decidir, os argumentos expostos no acórdão que cassou a liminar. ‘‘Com efeito, o contrato firmado com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul prevê o ingresso nos cofres públicos da quantia de R$ 22.470.630, dos quais R$ 5 milhões já foram, efetivamente, repassados ao Município’’.
E conclui: ‘‘Inegavelmente que, dentro deste contexto, a manutenção da decisão singular (da liminar) é potencialmente lesiva à economia e ao interesse públicos, pois impõe a perda de vários milhões de reais em detrimento de contrato anterior (Contrato 016/2005 firmado com o Banco Santander Brasil S/A) que, muito em breve irá findar – término previsto para a data de 8 de março de 2010, — e, que, segundo o Município, teria garantido seu adimplemento, em face ao depósito prévio em juízo da quantia de R$ 1.378.606,42, relativa aos meses que ainda restam.’’
Entretanto, o juiz Desessards acolheu o pedido sucessivo do Santander, que previa a indenização por quebra antecipada de contrato. Logo, condenou o Executivo Municipal a pagamento da quantia relativa aos meses restantes, correspondente ao valor fixado pelo Tribunal de Justiça de cerca de R$ 1,4 milhão.
Respeito aos contratos
As partes não se conformaram com o teor da sentença e apelaram ao Tribunal de Justiça. O Santander afirmou que a sentença não apreciou todas as causas de pedir, tais como violação ao contraditório e direito de defesa e contratação ilegal do Banrisul, já que feita sem licitação. Já a municipalidade entendeu que a decisão é nula por falta de fundamentação da condenação ao pagamento da indenização de R$ 1,4 milhão. Afinal, esta não está prevista na cláusula administrativa.
Após derrubar a preliminar de nulidade da sentença, a desembargadora-relatora se concentrou na análise da rescisão unilateral do contrato. Maria Isabel de Azevedo Souza explicou que a rescisão unilateral de contrato, amparada em razões de interesse público de alta relevância, é prerrogativa da Administração Pública, prevista no artigo 78, inciso XII, da Lei 8.666/93, e deve ser motivada, depois de assegurados ao contratado o contraditório e a ampla defesa, conforme o artigo 78, parágrafo único da mesma lei.
Apesar desta obrigatoriedade, conforme a relatora, os documentos provam que a rescisão unilateral não foi antecedida de contraditório e da ampla defesa. ‘‘Ora, a rescisão unilateral de contrato administrativo, sem prévios contraditório e ampla defesa, constitui-se em fato incontroverso que leva ao reconhecimento da nulidade do ato’’, concluiu a desembargadora.
Lembrou também que não é lícito ao gestor público extinguir contratos válidos em vigor, por força da reavaliação da decisão administrativa anterior, segundo seus critérios subjetivos de conveniência e oportunidade quanto ao melhor meio de realizar as tarefas públicas, como se fossem atos administrativos precários e discricionários. ‘‘A introdução de mudanças, na gestão administrativa, não pode ser feita ao arrepio da ordem jurídica, no caso, a disciplina do direito dos contratos.’’
O entendimento foi seguido à unanimidade pelos demais integrantes da 22ª Turma presentes à sessão de julgamento, desembargadores Carlos Eduardo Zietlow Duro e Mara Larsen Chechi.
Fonte: Conmsultor Jurídico