Diarista ou empregada doméstica?
Diarista ou empregada doméstica?
A contratação dos serviços de um diarista pode se transformar em dor de cabeça para o usuário desatento a questões cruciais, como a não eventualidade do trabalho prestado e a imposição de horários. Antes que o problema vire processo na Justiça do Trabalho e pese no bolso do contratante, especialistas aconselham o acerto de contas em uma boa conversa
Por não existir fórmula legal para se estabelecer, com segurança, a distinção entre empregado doméstico e diarista, conflitos entre estes trabalhadores e seus usuários vêm abarrotando de processos a Justiça do Trabalho. A faxineira que trabalha como diarista, por exemplo, tanto pode ser considerada empregada doméstica (e assim ser registrada) como prestadora autônoma de serviço. A distinção entre as duas figuras jurídicas reside na continuidade da prestação dos serviços. Ponto este, alertam especialistas, que deve ser a principal preocupação de usuários para evitar problemas com a Justiça.
Somente pode ser considerado trabalhador autônomo o diarista que escolhe os dias da semana em que pretende trabalhar, mudando-os constantemente, de modo a encaixar o horário das residências onde trabalhe, mas sempre sob sua orientação e determinação própria. ”Impor horário e dias de trabalho ao diarista e requisitar seus serviços de forma ininterrupta podem configurar vínculo empregatício”, afirma o chefe da Seção de Inspeção do Trabalho da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Francisco Ibiapina.
Esta liberdade de escolher onde e como trabalhar fez Maria Vanda de Sousa dos Santos, 58, não duvidar na hora de trocar os serviços de telefonista e bordadeira pelo trabalho de diarista. ”Consigo tirar até 35 reais em apenas oito horas”, diz. Apesar de compensar financeiramente, o serviço de diarista não tem respaldo legal trabalhista e muito menos previdenciário. Para este último ainda há uma solução, o cadastro na Previdência Social como trabalhador autônomo.
Responsável pela própria aposentadoria, Valderi de Lima Costa, 50, não deixa de pagar os R$ 80,00 ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Um dos três diaristas masculinos do Programa Centro do Trabalhador Autônomo (CTA), o faxineiro afirma ter sentido uma certa resistência das donas de casa para aceitá-lo. ”Depois reclamam que nós, homens, somos machistas”, brinca. Com uma diária de R$ 28,00, direito a café da manhã e almoço, Valderi se diz satisfeito.
A professora aposentada Maria de Nazaré Carvalho, 58, sabe bem o que é não ter preocupação com carteira assinada, férias, 13º salário e tantos outros direitos trabalhistas. Usuária do Sistema Nacional de Emprego/Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (Sine/IDT) há mais de 30 anos, a professora diz que negocia tudo com sua diarista, desde produtos a serem usados na faxina ao valor de diária. Cada uma sabe os limites da outra e dizem buscar afinidades nos detalhes. ”Se não gosto de alguma coisa que ela faz, reclamo e o serviço é refeito. Se ela está insatisfeita com a diária, compenso nos vales-transporte e na alimentação. É tudo uma questão de diálogo”, explica Nazaré.
DÁ PRA CORTAR PARTES SE FICAR GRANDE
CUIDADOS NA HORA DE CONTRATAR UM DIARISTA
– Esteja atento à documentação. Exija identidade, CPF, comprovante de endereço atualizado, referências profissionais (por exemplo, uma carta de recomendação) e folha criminal.
– Converse com usuários que já tenham contratado os serviços do diarista para saber como avaliam o trabalhador. Aproveite para saber qual era o valor da diária, quantas horas trabalhava por dia, etc.
DIREITOS E DEVERES DO DIARISTA*
– Ter cuidado com a higiene do corpo e o vestuário adequado ao ambiente de trabalho.
– Ser pontual, cumprindo o horário estipulado até o término do trabalho.
– Acatar as orientações do usuário, respeitando o gosto e a forma como estão colocados móveis e objetos que, depois de limpos, devem ser recolocados no devido lugar. Respeitar os pertences do cliente evitando abrir armários, correspondências, geladeira ou qualquer móvel/eletrodoméstico sem a devida permissão.
– Utilizar os produtos escolhidos pelo usuário, sem restrições. Caso o produto não seja adequado ao trabalho, orientar o cliente, sem imposição e com diplomacia, para adquirir o correto.
– Executar com perfeição e cuidado o serviço contratado, para garantir a qualidade e evitar quebrar ou danificar quaisquer objetos.
– Não fazer comentários sobre a vida particular do usuário com colegas ou quaisquer outras pessoas. E não interferir em conversas que não sejam necessárias à realização do trabalho.
– Não utilizar o telefone do cliente e evitar receber telefonemas pessoais no celular durante o serviço.
– Repassar os recados ao cliente sem fazer perguntas.
– Não abrir a porta para desconhecidos ou sem a autorização do usuário.
– Acordar, antecipadamente, com o usuário as peças a serem trabalhadas e a produtividade (no caso das diaristas lavadeiras e serviços gerais).
– Não levar os filhos nem fumar durante a realização do trabalho.
– Antes de sair do local de serviço, o diarista pode mostrar a bolsa e os demais pertences ao usuário, a fim de eliminar quaisquer suspeitas de furto. É importante observar estes procedimentos para a própria segurança do diarista.
– Se por algum motivo se atrasar ou não puder comparecer ao trabalho, avisar com antecedência.
– Confirmar o pedido da prestação do serviço com o usuário. Caso o cliente desista por motivo de viagem, doença ou outros, e após a confirmação do pedido, o diarista poderá receber o valor gasto no transporte.
– Não criticar nem comentar o tipo de alimentação servida pelos usuários, respeitando, assim, os hábitos alimentares dos clientes.
– Ser bem tratado.
– Descansar, pelo menos, durante uma hora (para tomar café, trocar de roupa, almoçar, tomar banho etc) e receber a diária no final do dia de trabalho.
– Mesmo que ganhe alguma causa trabalhista como empregado doméstico, o diarista só terá direito ao acumulado dos últimos cinco anos, mesmo que consiga provar vínculo empregatício de 20 anos
DIREITOS E DEVERES DO USUÁRIO*
– Em caso de atraso do diarista, o usuário pode desistir do serviço contratado e não ter a obrigação de pagar nenhum percentual correspondente ao valor da diária nem o transporte.
– Pode exigir ressarcimento por algum objeto danificado ou pedir para que o diarista refaça o serviço se este estiver insatisfatório.
– O usuário não tem o direito de submeter o diarista a fins que não sejam domésticos. Por exemplo, o usuário tem uma empresa de doces e contrata o trabalhador diarista como doceiro, sendo esta uma atividade lucrativa.
– Deve fornecer recibo de pagamento sempre ao final do serviço. Esta pode ser a prova de que não há vínculo empregatício entre o usuário e o diarista numa decisão judicial.
– Não tem obrigação de fornecer vale-transporte e alimentação. Por isso, o pagamento da diária é superior ao por um dia de trabalho do empregado doméstico.
– Não deve estabelecer horários e dias da semana fixos para a realização do trabalho do diarista (por exemplo, três vezes por semana continuamente). Corre o risco de estabelecer vínculo empregatício e ter problemas com a Justiça do Trabalho.
– Tem o direito de dispensar o diarista caso desconfie de furto ou não esteja satisfeito com o trabalho, sem arcar com despesas trabalhistas.
*Estas são orientações para uma boa convivência entre diarista e usuário, já que não há legislação específica para este tipo de prestação de serviço.
Fontes: Programa Centro do Trabalhador Autônomo (CTA), Lara Isadora Feitosa – advogada especialista em Direito Trabalhista, Francisco Ibiapina – Chefe da Seção de Inspeção do Trabalho da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e Rosângela Silva de Castro – Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos
QUE DIZ A LEI
DIFERENÇAS LEGAIS ENTRE DIARISTA E EMPREGADO DOMÉSTICO
A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, entre outras providências, considera empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
O caput do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que se considera empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Portanto, pode-se entender que a atividade do trabalhador que presta serviços de natureza doméstica a diferentes pessoas ou famílias, em um ou dois dias da semana, recebendo remuneração por dia:
a) não se caracteriza como de empregado doméstico, pois, apesar de tratar-se de serviço com finalidade não lucrativa, não é de natureza contínua;
b) não caracteriza vínculo empregatício nos termos da CLT, pois o serviço é doméstico e de natureza eventual.
COMO INTERPRETA A JUSTIÇA DO TRABALHO
Na Justiça do Trabalho, os tribunais têm-se manifestado, de forma predominante, contra a classificação do diarista, por não prestar serviços de natureza contínua e sem a ocorrência de exclusividade para um único empregador, como empregado doméstico nos termos da Lei nº 5.859/72. Entendem, na maioria dos casos, que este trabalhador é autônomo, pois explora em proveito pessoal a própria força de trabalho.
O QUE ASSEGURA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
De acordo com o inciso IV do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Seguridade Social, é segurado obrigatório da Previdência Social, na qualidade de trabalhador autônomo:
a) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;
b) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não.
Por sua vez, o Regulamento da Previdência Social (RPS) estabelece que, aquele que presta serviço de natureza não contínua, por conta própria, a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, sem fins lucrativos, é segurado obrigatório da Previdência Social na qualidade de contribuinte individual.
Assim, considerando o que dispõe a legislação previdenciária e o entendimento predominante na Justiça do Trabalho, pode-se concluir que a atividade do trabalhador que presta serviços domésticos a várias famílias, como diarista, em dias da semana alternados, é caracterizada como atividade autônoma.
O DIARISTA NÃO TEM DIREITO A:
Programa de Integração Social (PIS), Salário-família, Horas extras, Jornada de trabalho fixada em lei, Adicional noturno, Indenização por tempo de serviço, Estabilidade, 13º salário, Aviso prévio, Aposentadoria, Licença-maternidade, Licença-paternidade, Salário mínimo, Irredutibilidade salarial, Repouso semanal remunerado, Férias anuais acrescidas de um terço do salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
Fonte: Delegacia Regional do Trabalho (DRT)